quarta-feira, 22 de setembro de 2010

UMA TELA


                        Era sempre assim quando João a encontrava e naquele dia não podia ser diferente.
                        As cores do dia já morriam bem longe no mundo. Um horizonte de fogo dominava tudo, numa explosão de vermelho intenso. Um espetáculo de pura paixão, muito, muito longe. Cá, as cores se apaziguavam em tons de cinza e luto, com as luzes da cidade tentando vencer o negror que começava a se apoderar das coisas.
                        João começou pintando tons suaves, pastéis, quase mornos, mas com uma profundidade de paixão. Usava as mãos, os dedos mais precisamente. Comprimia-os com cuidado para não machucá-la. Ela apenas o observava,  imóvel, esperando as cores que a tornariam viva e mágica. Tudo tinha uma pulsação dionisíaca: aquelas cores, aqueles dedos. Ela passiva suspirava de prazer.
                        Os movimentos dele começaram a ficar mais poderosos. Todo o corpo se concentrava em imprimir cor. O vermelho intenso começou a surgir em pinceladas que pareciam penetrá-la. Ela gemeu. Ele respirou fundo e gemeu também. Ela se esgueirava tentando fugir das investidas intrépidas de João, mas ele a dominava e subjugou-a totalmente.
                        Houve um momento de calma total, breve. João apenas sentia as cores. Olhos fechados, era todo tato. Ela pulsava, era toda cor. Já sentia delineando-se a explosão que viria. João imprimiu ritmo nas pinceladas usando também os dedos. Provocou-se uma confusão nas cores, as respirações se confundiram. Só havia cores intensas. Ela gemeu alto e se entregou finalmente. Ele rosnou feito bicho. Ela cravou-lhe as unhas nas costas. Ele lhe mordia toda. Ela desfaleceu em gozo, ele explodiu de prazer e tudo se fez cor para os dois. Cores intensas que foram, em dégradé, perdendo a intensidade, até tornarem-se calmas como a noite que tudo domina. As respirações apaziguaram-se. Fez-se silêncio e a calmaria da satisfação tomou conta de tudo.
                        Houve silêncio, um mudo silêncio de lago, um silêncio de tudo. E em um canto do quarto, a tela, em branco, esperava quieta sua vez de ser possuída.

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